quarta-feira

A BAHIA PERDE LINO DE ALMEIDA

O sociólogo José Lino Alves de Almeida. O Lino de Almeida morreu , aos 48 anos, vítima de um câncer de intestino. A morte representou uma perda significativa não só para familiares e amigos, mas também para o Movimento Negro Unificado (MNU), fundado na década de 70, e tantas outras instituições para as quais Lino contribuiu. Ele foi também radialista e ajudou a divulgar o reggae e sua ideologia nas rádios de Salvador. Por isso, durante a cerimônia, o som do reggae, emitido de uma Brasília antiga, que estava na entrada do cemitério, deixou o clima mais leve para os que prestigiaram o intelectual.De origem pobre e nascido no bairro da Liberdade, Lino de Almeida foi um dos maiores defensores do reggae na Bahia. Ele tinha estudos sobre a música e colecionava verdadeiras obras de arte desse estilo musical. "Nos programas de rádio, ele aproveitava para denunciar a opressão contra o povo negro, justamente o que é defendido pelo reggae", explica Albino Apolinário, coordenador da Praça do Reggae, no Pelourinho. Albino e Lino de Almeida foram os fundadores do Bar do Reggae, em 1978, que deu origem à praça.Um dos fundadores do MNU na década de 70, Lino criou o Legião Rastafari em 1981, um dos maiores movimentos de resistência negra. Para um dos militantes do MNU, Milson dos Santos, muitas das políticas voltadas para negros que existem hoje são resultado da luta travada pelo movimento. "As políticas de cotas, as bolsas, a introdução de estudos afros nas escolas tiveram como base a luta iniciada por Lino", defende.Para outro fundador do MNU, Zal do Carmo, Lino foi um dos pioneiros na militância pelo reggae nas rádios. De 1980 a 2002, o sociólogo foi locutor em programas nas rádios Itaparica, Salvador FM, Globo FM, Bandeirantes e Tropical. "Além de culto, ele era militante. A Bahia perde um porta-voz da cultura negra no Brasil e fora daqui", frisou. Lino ajudou a divulgar os artistas jamaicanos na Bahia, sendo que, em 1993, foi o primeiro a trazer Jimmy Cliff ao estado. Ou seja, ele fazia uma espécie de intercâmbio entre a Bahia e a Jamaica, além de Estados Unidos e África.Sofreu perseguições políticas com a rádio, pois a elite da época começou a se incomodar com seus discursos "subversivos". E muitas vezes foi tirado do ar por causa disso. Foi idealizador também de um documentário e um DVD sobre os Filhos de Gandhy. "Para nós foi uma perda muito grande, assim como para todos os militantes do movimento negro. Ele também deu sua contribuição para o Ilê Aiyê, através da música, do reggae", frisou o presidente do Ilê Aiyê, Antonio Carlos dos Santos, o Vovô.Para Raycompany, radialista divulgador do reggae na Bahia, Lino divulgava o reagge sempre com maestria, daí tê-lo convidado para fazer programas no rádio. "Ele tinha um programa Rasta Reggae, de 1987 até 2000, nas rádios Itaparica e Tropical, que era sucesso absoluto no rádio", destaca. Lino também viajava e trazia de fora CDs para tocar nas rádios, já que, na época, era difícil encontrar CDs de reggae para compra. Lino foi ainda membro da FDA pela Diáspora Africana, uma associação de Washington (EUA) que defende a democracia africana e que era representada por ele no Brasil.O sociólogo, membro do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, deixa três filhos legítimos e dois filhos de sua atual esposa, Rita Honotório. "Ele foi um guerreiro mesmo na doença, ele contrariou todas as estatísticas, todas as previsões médicas. E nunca teve medo da doença", diz a esposa. Em 2003, já doente, Lino ganhou o prêmio Petrobras Cultural com um DVD sobre os Filhos de Gandhy. Na TVE, ele dirigiu a série Microdramas. Foi ainda palestrante em universidades internacionais, como Harvard."Ele morreu jovem, mas deixa um legado extraordinário, para seus filhos e netos", disse Clarindo Silva, coordenador do projeto cultural Cantina da Lua. Já outro precursor do Movimento Negro na Bahia, Gilberto Leal, vê a morte como a passagem de Lino para a ancestralidade. "Ele retomou o movimento negro após a ditadura. Esta é a passagem de um ativista para uma outra dimensão. O trabalho dele ainda não terminou", concluiu.

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