sexta-feira

Carnaval de Salvador - Blocos afro exigem mudanças


Em 2008, entidades negras tradicionais do Carnaval baiano ameaçam não desfilar se não houver mudanças radicais na gestão da festa.


"O pior Carnaval de todos os tempos", afirmou o coordenador do Fórum de Entidades Negras, Walmir França. O apartheid do Carnaval baiano veio à tona mais uma vez, nos desfiles oficiais e na imprensa. "Em 2008, o Carnaval de Salvador pode não ter a presença daqueles que fazem dele o que ele é", afirmou França. O Carnaval de 2007 em Salvador, na opinião de dirigentes de Blocos, marcou o início de um novo pensamento da festa a partir de 2008. "Foi um Carnaval dramático, difícil. A festa este ano demonstrou ainda mais a fragilidade desse processo de políticas públicas voltadas para a população negra em Salvador, por parte dos órgãos governamentais", diz o presidente do Bloco Afro Olodum, João Jorge Rodrigues. O Bloco Olodum, junto ao Ilê Aiyê, Cortejo Afro, Male DeBalê, dentre outros integrantes do Fórum de Entidades Negras, tiveram o Carnaval ameaçado por conta do indefinido repasse de verbas por parte do governo federal. O atraso se deu por conta da ação movida pelo Ministério Público, que pediu a suspensão do incentivo fiscal diante de denúncias de irregularidades na prestação de conta dos blocos que compõem o Fórum. "As denúncias partiram, infelizmente, de outras entidades também negras. O que foi aproveitado pela Prefeitura, de forma oportunista, para desconstruir nosso discurso sobre reparação e diminuir ainda mais os recursos voltados para as entidades. Isso teve um impacto muito negativo para todo o segmento de Blocos Afro e Afoxés, piorando ainda mais a dificuldade histórica que temos em conseguir patrocínio e investimentos, principalmente junto à iniciativa privada Mas tudo já foi elucidado por parte do Fórum e não há nenhuma irregularidade em nossas contas," afirma João Jorge.Mudanças - A Prefeitura Municipal, através da Empresa de Turismo de Salvador (Emtursa), já anunciou que, a partir de 2008, não estará mais nas negociações de recursos com os Blocos Afros. "Foi dada ao governo municipal a chance de nos dizer coisas do tipo "acabou a mordomia, a mamata dos Blocos Afro", tirando de si a responsabilidade para com a questão negra no Carnaval. De 1962 para cá, Blocos como Internacionais, Camaleão, Cheiro de Amor, por exemplo, tiveram, todos eles, essa ‘mordomia’ da Prefeitura. A soma de impostos que deve apenas um desses blocos alcança quase 36 milhões, além de que se criou uma fila inconstitucional para eles desfilarem na frente da televisão, dando a estes grupos o direito de uso do solo da forma que eles quiserem. Tudo isso com o Estado e o Município se omitindo. Isso sim que é mordomia", aponta o presidente do Olodum. Para Walmir França, a decisão é lamentável. "Eles dizem que a Prefeitura está falida, mas nunca vi tanta gente querendo tanto administrar uma coisa que não tem dinheiro", questiona.Planos - Acabado o Carnaval, o Fórum de Entidades Negras prepara uma mobilização já a partir de abril, para chamar a sociedade a tomar parte do debate sobre a presença negra na festa nos próximos anos. "Vamos apresentar um Plano de 15 itens ao governo e à Prefeitura para o Carnaval de Salvador, que beneficiará os Blocos Afros e Afoxés e os Blocos de Percussão. Um dos primeiros itens será a destruição desta fila nos dias principais de desfile no Campo-Grande. A mesma deverá ser por idade, contemplando dois segmentos a cada vez, para que a televisão transmita o desfile de todos. Se você quiser entender o racismo no Carnaval baiano, preste atenção para onde vai o Camaleão, o Eva, a Ivete Sangalo, a Daniela Mercury", diz João Jorge. Além dessa proposta, o Fórum também exige uma mudança na natureza dos recursos repassados às entidades, que deverão constar das leis orçamentárias municipais e estaduais a cada ano. "Isso fará com que não precisemos mais ir pedir ao Prefeito nenhuma migalha para desfilar", pondera o presidente do Olodum. O Plano ainda propõe a criação de um imposto sobre o turismo, nos moldes do que foi instituído na África do Sul para a manutenção de parques nacionais e políticas públicas para as populações mais pobres. "Cada turista que viesse a Salvador, pagaria o valor de R$1, o que seria revertido para um Fundo destinado às entidades afros. Esse Fundo seria administrado pelos órgãos de cultura e destinado somente a instituições carnavalescas negras que existam há, no mínimo, cinco anos, e que desenvolvam atividades educacionais e culturais gratuitas, façam desfiles nos seus bairros e estejam legalizadas para receber esses recursos. O Fundo é exclusivo para entidades culturais afro-brasileiras que desenvolvam, de fato, um trabalho social", argumenta Jorge. Ações - Com todas estas propostas, o Fórum de Entidades Negras pretende conduzir a discussão e negociações com o Ministério da Cultura, solicitando ainda uma intervenção do Ministério Público no Carnaval de Salvador. Para as entidades do Fórum é imprescindível também o debate com as entidades e organizações do movimento negro em nível nacional, sobre a importância do Carnaval para os objetivos desse segmento do movimento social. "A festa hoje não tem mais nada a ver com movimento negro, seja aqui ou no Rio de Janeiro. São estruturas da sociedade dominante, que é branca, de fato. É isso que temos que confrontar e é o que vamos fazer. Neste Carnaval não houve vitoriosos, todos nós perdemos. Haverá agora uma radicalização na disputa do espaço durante a festa e, se não sairmos em 2008, será uma ausência negra coletiva", disse João Jorge.



Reportagem

Jamile Menezes Santos, Estudante de Jornalismo da Faculdade da Cidade do Salvador jamyllem@hotmail.com

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