segunda-feira

Negros ganham voz em Salvador

Negros ganham voz em Salvador A Secretaria Municipal da Reparação é a primeira do Brasil a lutar contra as seqüelas da discriminação racial.Berço da maior população negra do Brasil, a cidade de Salvador concentra índices alarmantes de desigualdade social entre raças e cores. Uma realidade de segregação que se arrasta desde os primórdios da colonização tem motivado a indignação e a luta de movimentos negros que começaram a se articular nos anos 70, com o objetivo de dar voz à maioria oprimida pela minoria branca. Depois de década de espera, os afrodescendentes da capital baiana finalmente comemoram a criação de um órgão governamental para respaldar as bandeiras levantadas pela sociedade civil em prol da emancipação de negros e mestiços.
- Reparar é parar duas vezes: a primeira, diante do espanto; a segunda, diante do discernimento para agir. Minha luta é suprapartidária e meu partido é a negritude - afirmou Arany, sem filiação partidária, fundadora do Movimento Negro Unificado e diretora do Ilê Aiyê, movimento negro mais antigo do Brasil. Dos quase 2,5 milhões de habitantes de Salvador, 86% são negros e mestiços, segundo dados do IBGE. A maioria deles não tem acesso à educação, à saúde ou à habitação e vive aglomerada em favelas e bairros superpopulosos, como a Liberdade, com 600 mil moradores. A Secretaria da Reparação vai atuar junto aos movimentos de luta contra a discriminação racial, cuja tarefa será fornecer dados e suprir as principais demandas da população negra marginalizada. Para João Jorge, presidente do Olodum, um dos maiores blocos afros de Salvador, a iniciativa será de extrema importância porque se propõe a traçar uma radiografia dos dilemas sofridos pela população negra. - Vamos colaborar intensamente com informações sobre as maiores deficiências e propondo políticas afirmativas para minimizar as desigualdades raciais - afirmou João Jorge, salientando que são poucos os negros a ocuparem cargos públicos e postos de trabalho em shoppings e grandes empresas. Única negra a conquistar uma das 16 secretarias municipais, Arany Santana não esconde a ansiedade por mudanças e corre atrás do tempo perdido. Convocou, como primeira tarefa da secretaria, uma reunião com o Fórum de Entidades Negras da Bahia, no Pelourinho, para discutir a composição da equipe e seu papel perante a comunidade negra. Funcionando inicialmente com 13 integrantes, o órgão tem 40 funcionários ''escolhidos pelo critério da competência e não pelo da cor'', frisou Arany. Da esfera municipal para a federal, os projetos da Secretaria da Reparação já circulam pelos corredores do Palácio do Planalto, onde a secretária reuniu-se recentemente com representantes dos ministérios do Trabalho e da Cultura, com o presidente da Fundação Palmares, Ubiratan de Castro, e com parlamentares que encabeçam propostas ligadas a questões raciais, Menina dos olhos da secretaria, a educação tem recebido atenção especial por ser considerada o pilar de uma estrutura que sustenta setores igualmente essenciais, como habitação e inclusão no mercado de trabalho. - É por meio da educação que se inicia o processo de reparação. A partir da consciência de suas raízes e seus direitos, o negro aguça o senso crítico e clama por mudanças profundas - justifica a secretária. Neste sentido, Arany anunciou a parceria entre a Fundação Palmares e a Universidade Federal da Bahia (UFBA) para produção de livros didáticos sobre questões raciais. As obras serão utilizadas nas aulas de história e cultura africanas, disciplina que a secretaria pretende implantar em toda a rede municipal e estadual. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2001 revelaram que 6,7% da população com mais de 15 anos na região metropolitana de Salvador eram analfabetos. Entre brancos, o índice baixa para menos da metade: 3,3%. Os negros têm 10,1% dessa fatia da população sem saber ler ou escrever. Entre pardos, 6,5% são analfabetos. O mesmo abismo social se reproduz na taxa de rendimento mensal da população ocupada. Enquanto a minoria branca de menos de 20% da população arrecada R$ 1.233,42, os negros recebem média de R$ 497,82, ou seja, um terço do valor. - Queremos implementar políticas de microcrédito para estimular pequenos empreendedores negros a desenvolver seu próprio negócio - planeja Arany. A área da saúde é outro setor a ser cuidado com esmero pela nova secretaria. O órgão pretende fazer, com o apoio das secretarias municipal e estadual de Saúde, um diagnóstico nas regiões de incidência da anemia falciforme, doença que atinge exclusivamente a população negra. Segundo Arany, de cada 500 bebês negros, um nasce com a deficiência. Ao definir sua missão, afirma que ''não há tempo para falhas'' e cita um provérbio africano. - Ao elefante, os marfins não lhe pesam. O elefante que simboliza a África, a imponência cultural, seu legado e reconhecimento ainda que tardio. Um corpo volumoso formado por tantos corpos, a manada. Um elefante que chama à reflexão e à objetividade. Assim, não pesarão os instrumentos de marfim, que, soltos e sem contexto, embelezam menos - filosofa.

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