sexta-feira
Movimento negro reivindica mais emprego para jovens
Por Adenilton Cerqueira
Não bastam só políticas de ações afirmativas, a juventude negra também exige respeito à diversidade. Além do acesso à universidade, nós queremos a garantia de que teremos espaço assegurado no mercado de trabalho. As reivindicações são muitas e todas elas norteadas pelo fio condutor de que é preciso repensar o Brasil a partir da ótica do povo negro. Quando se fala em perspectivas para a juventude negra, o jovens consideram que não há perspectivas, mas sim a expectativa de que as políticas afirmativas gerem muitos frutos. O assunto foi discutido no Fórum de Diálogos África e Diáspora, que integra a programação da II Conferência de Intelectuais da África e da Diáspora (Ciad). Para debater o tema Perspectivas para a juventude negra na África e diáspora, a mesa foi formada essencialmente por jovens militantes.
Realizado paralelamente nos auditórios da reitoria da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), o Fórum de Diálogos África e Diáspora abrindo espaço para nove mesas-redondas. "Perspectivas não temos muitas, o que temos é um conjunto de expectativas que emergem do programa de ações afirmativas e da possibilidade de aprovação do estatuto da igualdade racial", avalia o estudante de ciências sociais e integrante do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e do Coletivo de Negros, Matheus Gato de Jesus. Para ele, as conquistas atuais representam um grande avanço na história, mas já é possível perceber que há limites estruturais dentro dessa porta que se abre. Para contextualziar, ele cita como exemplo a própria Ciad.
"Embora seja um evento para negros, se você olhar para as pessoas que estão trabalhando no apoio, verá que o negro é minoria. Entre dez atendentes brancas, tem duas negras. Isso vai contra todas as discussões da conferência e significa que quem pensou o evento não fomos nós", critica o estudante maranhense. Vindo de uma outra realidade, onde os negros são minoria não só na voz como na própria presença física, a coordenadora da Central Única das Favelas (CUF) no Rio Grande do Sul, Malu Viana, 32 anos, sabe exatamente a dimensão da exclusão social e racial.
De acordo com ela, falar em perspectivas para a juventude negra é um desafio em um país como o Brasil, onde existe uma falsa democracia. "O nosso desafio é trabalhar a consciência política dos jovens, partindo do ponto de que este é um aspecto inexistente. Para isso, temos que nos erguer diante de uma situação desfavorável porque as políticas não chegam as nossas comunidades e quando chegam são através de ações assistencialistas ou eleitoreiras", explica.
Ela diz ainda que, para o negros do Rio Grande do Sul, a situação é ainda mais complicada porque têm que se reerguer em meio a um massacre ideológico onde as culturas alemã e italiana são externadas o tempo todo. "Lá existem incentivos para as culturas italiana e alemã e a negra e a indígena são ignoradas. É isso que precisamos mudar", disse Malu Viana.
São jovens que estão em diferentes pontos do país, mas todos eles compartilham uma realidade onde a exclusão social e racial são expressivos demarcadores territoriais. De Salvador, o diretor executivo do Instituto Steve Biko, que é doutor em economia pela Universidade Estadual de Campinas, Sílvio Humberto Cunha, 43 anos, também conhece esta realidade. "Vivemos em uma sociedade em que a branquitude é um valor, é a partir da cor da pele que se atribui valor às pessoas", diz.
Convidada à mesa, a cantora Angélique Kidjo, do Benin, chamou a atenção da juventude para a necessidade de percepção de que antes de ser negro, branco ou amarelo, todos são seres humanos. "O negro sofreu muitas dores, foram tratados piores do que um animal. Está na hora de largar esta dor e olhar para o futuro, para os nossos atos e nossas palavras. Nós devemos continuar a luta por um lugar para todos os seres humanos. Eu, perante o mundo, me posiciono como ser humano, porque o ser humano é acima de tudo o que tem dentro de si", disse a cantora.
Reserva de vaga é coisa antiga
"Reserva de vagas não é novidade. Na década de 60, filhos de agricultores foram às universidades cursar agronomia e ninguém foi contra estas cotas". Serena e munida de informações valiosas, a professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, conselheira até abril da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação (CNE) foi uma das convidadas da mesa que tratou de políticas de ações afirmativas e os reflexos nas áreas de educação e cultura, ontem à tarde na Uneb, dentro da programação do Fórum de Diálogos África e Diáspora. Assunto que já extrapolou embates acadêmicos e políticos, o tema se alastra em discussões por todos os cantos do país.
A estudiosa, que leciona na Universidade Federal de São Carlos, no interior de São Paulo, defende que a política de reservas de vagas deve ser destinada para estudantes oriundos de escolas públicas. "A partir daí, seria feito um recorte: com percentagem para negros e indígenas, sem desconsiderar os brancos. Ninguém estará imune às seleções. Se queremos uma sociedade democrática, todas as populações devem estar representadas", afirmou. Toda a população estará acompanhando a discussão na educação brasileira sobre este assunto, já é considerado um avanço para os defensores da política.
A intenção é que o sistema de cotas seja visto como uma meta dentro do programa de ações afirmativas, integrando um plano maior de inclusão social. "Não é questão mais de privilégios, mas da construção de uma sociedade igual, justa e equânime. As universidades atualmente só contemplam uma classe social: da média para cima", explicou Petronilha, destacando que ação afirmativa não é invenção brasileira, nem do movimento negro.
A Índia foi apontada pela pesquisadora como o primeiro país a adotar programa de ações afirmativas para a casta considerada inferior pelo sistema social indiano. "Há ainda experiências de reservas de vagas na Malásia, Inglaterra, EUA, África do Sul. Países da América Latina, como Chile e Colômbia, estão desenvolvendo programa com regime de ações afirmativas. Nossa iniciativa está também sendo observada por outras nações", declarou.
Relatora do parecer do CNE à lei 10.639/2003, que estabelece as diretrizes curriculares nacionais para a educação das relação étnico-racial e para o ensino de história da cultura afro-brasileira e africana nas escolas do país, Petronilha acredita que as ações afirmativas estão mexendo com as crenças de uma sociedade excludente. "Nosso projeto é de uma sociedade onde todos venham a ter direitos civis, econômicos e sociais. Toda a população e cada um como é", disse.
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