terça-feira

Ordem de desfile dos blocos causa polêmica

Por Adenilton Cerqueira
Há pelo menos quatorze edições do Carnaval de Salvador, a ordem dos blocos que desfilam nos principais circuitos da folia permanece a mesma. Os blocos de corda puxados pelas "estrelas da axé music" iniciam a festa no início da tarde, conquistam holofotes e arrastam multidões. Para os artistas independentes, blocos afro, afoxés, de índios e percussão só resta seguir o rastro deixado pelas estrelas e torcer para, em plena madrugada, encontrar foliões com boa resistência física e disposição.
No Carnaval 2008 não será diferente. Uma matéria publicada no site oficial do Carnaval de Salvador destaca que esse ano os blocos afro e afoxés desfilam durante o dia e, por isso, ganham mais visibilidade. O que é negado pela própria programação oficial divulgada no mesmo site e confirmado por representantes das entidades.
A ordem e duração de cada desfile foram definidas pelo Conselho Municipal do Carnaval em setembro do ano passado, durante assembléias com seus membros. Segundo o presidente do órgão, Reginaldo Santos, o critério é claro: os blocos mais antigos desfilam primeiro, em seguida vêm os blocos mais novos. Acontece que nesse critério só estão inclusos os blocos de trio. Afoxés, afro e percurssivos só começam a ocupar a avenida após às 19h (caso não ocorram atrasos). A única exceção são os Filhos de Gandhy, que desfilam domingo, segunda e terça-feira às 15h.
Para o presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues, "a fila é completamente anti-democrática. É um verdadeiro matadouro da galinha dos ovos de ouro". A opinião é compartilhada pelo coordenador geral do Fórum de Entidades Negras da Bahia e diretor do bloco afro Os Negões, Walmir França. "É um absurdo repetir esse modelo, onde os melhores horários são sempre disponibilizados para os mesmos blocos, porque os patrocinadores ganham muito dinheiro com eles", reivindica França e provoca: "Falta coragem das gestões municipais para mexer nessa ordem. É muito dinheiro envolvido".
O presidente da Associação de Blocos de Trios, Fernando Boulhosa, diz que "as reclamações dos blocos afro e afoxés não têm fundamento nenhum". Segundo ele, o Carnaval da Bahia podia ser fantástico antigamente, mas era completamente desorganizado e se continuasse do mesmo jeito, a tendência era acabar. "Fomos nós, os representantes do blocos de trio, que de forma pioneira colocamos ordem no desfile, quando criamos a fila. O critério é claro e democrático: os mais antigos ocupam os melhores horários, acompanhados pelos outros trios mais novos", explica Boulhosa.
Só em 2009 - Mesmo assumindo que é preciso discutir os critérios de escolha da ordem do desfile e garantindo que isso será feito para a próxima edição da festa, em 2009, Reginaldo ressalta que os blocos afro e afoxés não foram inclusos no critério de antiguidade quando a fila foi criada, "porque na época não tinham organização e estrutura adequadas para disputar o espaço". Reginaldo diz ainda que o horário da noite é reservado a esses blocos, porque ¿é impossível para os afro e afoxés desfilarem durante o dia, vai de encontro a práticas religiosas e a própria indumentária dos blocos, que não suportaria o sol de meio dia".
João Jorge, do Olodum, responde: "É mentira. Isso é uma grande distorção". O presidente da Associação dos Afoxés da Bahia, Edvaldo dos Santos, conhecido há 30 carnavais como Nadinho do Congo, é ainda mais incisivo: ¿É impressionante o preconceito e o desprezo com que a organização do Carnaval trata os blocos afro e afoxés".
Segundo Nadinho do Congo, cerca de 18 afoxés desfilam esse ano no Circuito Osmar, número, que seria muito maior se houvesse respeito e investimento nesses blocos "que expressam a verdadeira cultura baiana e ao longo do ano desenvolve projetos sociais de extrema relevância para a sociedade baiana". O presidente da Emtursa, Misael Tavares, não se posicionou, alegando que "o assunto diz respeito apenas ao Conselho do Carnaval".
Ética - No final de 2006 foi criado pelo Conselho Municipal do Carnaval, o Código de Ética e de Infrações do Carnaval, que estabelece normas de conduta de todos os blocos, trios e entidades, com detalhamento dos procedimentos, horários dos desfiles e as penalidades para quem descumprir as normas. Apesar de não ter sido colocado em prática em 2007, Reginaldo Santos garante que em 2008 ele deverá ser seguido a risca.
Por isso, o presidente acredita que os blocos afro, afoxés, entre outros não serão prejudicados caso os horários de desfile sejam rigorosamente cumpridos pelos blocos de trio. ¿Se eles cumprirem o que foi estipulado, os blocos afro e afoxés não desfilarão de madrugada".
Os representantes do Olodum e da Associação dos Afoxés da Bahia, João Jorge e Nadinho do Congo, respectivamente, alegam que a necessidade de se modificar a ordem do desfile para oferecer visibilidade a todas as entidades já foi anunciada em assembléias do Conselho em anos anteriores. "O Ministério Público tem que se posicionar. Eles conhecem a situação. Isso não é nenhuma novidade", destaca João Jorge.
O MP é o órgão responsável por fiscalizar o cumprimento das determinações previstas no Código. As promotoras Heliete Vianna e Rita Tourinho afirmam que a ordem de desfile dos blocos foram debatidas em audiências promovidas pela própria Emtursa, em parceria com o MP em novembro de 2007. "Naquele momento, já não havia mais tempo hábil para se modificar a programação. Mas, para 2009 vamos, sim, recomendar ao órgão responsável que repense essa fila de blocos", sinaliza Rita Tourinho.

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