Renda e educação dos pais pesam mais do que cor em desigualdade racial na escola
A desigualdade de acesso à educação entre negros e brancos no Brasil se deve mais à origem social do que à discriminação de cor. Entretanto, o preconceito também influencia a diferença. Essa é uma das conclusões de um estudo feito pelo Centro de Internacional de Pobreza, uma instituição de pesquisa do PNUD, resultado de parceria com o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas).
O texto, intitulado Toda a Desigualdade Socioeconômica entre os Grupos Raciais no Brasil é causada por Discriminação Racial?, do economista Rafael Guerreiro Osório, faz uma análise detalhada da evolução educacional dos brasileiros nascidos de 1973 a 1977, tendo como base diferentes edições da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, feita pelo IBGE).
O economista acompanhou, por meio das amostras de 1982, 1987, 1992, 1996 e 2005, o acesso da população à educação. Ele dividiu os grupos de acordo com a instrução do chefe da família, a renda familiar e a cor da pele e verificou, por exemplo, a porcentagem de crianças nascidas entre 1973 e 1977 que chegaram aos estavam alfabetizadas em 1982, estavam no ensino médio em 1992 e na universidade em 1996. Para evitar distorções, o estudo controlou fatores que poderiam influenciar o resultado, como região, sexo e idade. A partir dos dados, foi criado um modelo estatístico pelo qual é possível estimar a influência de cada uma das variáveis (educação, renda e cor da pele) no resultado.
Nesse modelo, os fatores que influenciaram o sucesso educacional (chegar ao nível de escolarização indicado para a idade) são os socioeconômicos, mais do que a cor da pele. Por exemplo, a probabilidade de uma criança de 7 anos estar alfabetizada em 1982 cresce quando a educação do chefe de família e a renda da casa são maiores, independentemente de o aluno ser branco, preto ou pardo. A região também influencia, e a probabilidade cresce na seguinte ordem: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Desse modo, a criança nascida na região Norte teria menos chances de estar alfabetizada, e a nascida no Sul, mais chances. Esse padrão de influência da educação dos pais e da renda se repete em todos os níveis analisados — ensino fundamental, ensino médio e superior.
O fato de a região e de a origem social serem mais relevantes que a discriminação por cor traz uma conclusão ruim, na opinião do autor do estudo. "Isso só mostra que o Brasil é um país com baixa mobilidade social e que o peso da origem social é grande. É muito difícil para alguém com renda baixa e cujos pais não tiveram acesso à educação conseguir atingir um nível educacional alto", afirma Osório. Para o especialista, isso pode explicar a manutenção dos negros entre os segmentos de renda mais baixos da sociedade e a perpetuação de uma desigualdade racial que vem dos tempos da escravidão.
Influência importante
Uma parte central do estudo analisa como se comporta a influência da discriminação por cor. A constatação de que o fato de ser negro faz, sim, diferença é sustentada pela observação de que pretos e pardos levam desvantagem em todos os indicadores de acesso à educação, mesmo quando a renda e a escolarização dos pais são iguais às dos brancos. Por exemplo, entre um negro e um branco nascidos entre 1973 e 1977 na região Norte, provenientes de famílias com o mesmo nível de renda e com os pais com o mesmo grau de instrução, eram maiores estatisticamente as chances de o branco estar na universidade em 1996.
Essa diferença em relação à cor é encontrada em maior ou menor escala em praticamente todos os cenários analisados. "A grande novidade que trazemos é conseguir medir onde a discriminação exerce maior influência para atingir a educação. E, nesse sentido, são justamente os negros de classe média que sofreram mais os efeitos negativos da discriminação na geração analisada", afirma Osório.
Para esse segmento da sociedade, ser negro estava relacionado a menor probabilidade de ter entrado na universidade em 1996. O estudo identificou um padrão: quanto maior a disputa por acesso ao ensino (poucas vagas e muitos em condição de concorrer a elas), mais a cor da pele influencia o sucesso educacional — sempre com desvantagem para pretos e pardos.
Nos domicílios de menor renda e menor instrução, a cor da pele faz pouca diferença na probabilidade de uma criança nascida entre 1973 e 1977 ter chegado à faculdade em 1996 — nessas condições, a chance é pequena tanto para pretos ou pardos quanto para brancos. Na outra ponta, quando negros e brancos estão entre o 1% mais rico da população, a influência da cor no acesso à universidade também é pequena: a probabilidade é alta para os dois grupos.
É, portanto, na camada intermediária que a cor pesa mais. Para uma pessoa que estivesse entre os 20% mais ricos do Brasil, nascida no Nordeste em uma família cujo chefe estudou até a quarta série do ensino fundamental, a influência da cor da pele no acesso à universidade é o dobro de uma pessoa com as mesmas características, mas que estivesse entre os mais pobres.
Do mesmo modo, quando havia mais disputa pelas classes de alfabetização, em 1982, ser branco ou negro fazia diferença — era menor a chance de um preto ou pardo estar alfabetizado. Já em 2005, a influência da cor da pele era pequena. O que aconteceu entre os dois períodos? O acesso à alfabetização foi universalizado: quase todos têm oportunidade de atingir esse nível educacional na idade certa. Isso significa, portanto, que, quanto maior o acesso à educação, menor os efeitos da discriminação por cor.
Cotas
Rafael Osório aproveita a conclusão para recuperar um assunto polêmico, não abordado no estudo: "Isso significa que universalizar a educação é melhor do que a política de cotas? Depende da urgência com que o Brasil quer tratar a questão. Dar oportunidade a todos para chegar à universidade realmente acabaria com a desigualdade racial nesse caso. Mas precisamos ver até onde isso é possível de ser feito e a urgência das pessoas que estão na idade de estudar. As cotas podem ser um bom instrumento para corrigir com rapidez essa desigualdade racial, motivada, entre outros motivos, também pela discriminação", afirma.
O texto, intitulado Toda a Desigualdade Socioeconômica entre os Grupos Raciais no Brasil é causada por Discriminação Racial?, do economista Rafael Guerreiro Osório, faz uma análise detalhada da evolução educacional dos brasileiros nascidos de 1973 a 1977, tendo como base diferentes edições da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, feita pelo IBGE).
O economista acompanhou, por meio das amostras de 1982, 1987, 1992, 1996 e 2005, o acesso da população à educação. Ele dividiu os grupos de acordo com a instrução do chefe da família, a renda familiar e a cor da pele e verificou, por exemplo, a porcentagem de crianças nascidas entre 1973 e 1977 que chegaram aos estavam alfabetizadas em 1982, estavam no ensino médio em 1992 e na universidade em 1996. Para evitar distorções, o estudo controlou fatores que poderiam influenciar o resultado, como região, sexo e idade. A partir dos dados, foi criado um modelo estatístico pelo qual é possível estimar a influência de cada uma das variáveis (educação, renda e cor da pele) no resultado.
Nesse modelo, os fatores que influenciaram o sucesso educacional (chegar ao nível de escolarização indicado para a idade) são os socioeconômicos, mais do que a cor da pele. Por exemplo, a probabilidade de uma criança de 7 anos estar alfabetizada em 1982 cresce quando a educação do chefe de família e a renda da casa são maiores, independentemente de o aluno ser branco, preto ou pardo. A região também influencia, e a probabilidade cresce na seguinte ordem: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Desse modo, a criança nascida na região Norte teria menos chances de estar alfabetizada, e a nascida no Sul, mais chances. Esse padrão de influência da educação dos pais e da renda se repete em todos os níveis analisados — ensino fundamental, ensino médio e superior.
O fato de a região e de a origem social serem mais relevantes que a discriminação por cor traz uma conclusão ruim, na opinião do autor do estudo. "Isso só mostra que o Brasil é um país com baixa mobilidade social e que o peso da origem social é grande. É muito difícil para alguém com renda baixa e cujos pais não tiveram acesso à educação conseguir atingir um nível educacional alto", afirma Osório. Para o especialista, isso pode explicar a manutenção dos negros entre os segmentos de renda mais baixos da sociedade e a perpetuação de uma desigualdade racial que vem dos tempos da escravidão.
Influência importante
Uma parte central do estudo analisa como se comporta a influência da discriminação por cor. A constatação de que o fato de ser negro faz, sim, diferença é sustentada pela observação de que pretos e pardos levam desvantagem em todos os indicadores de acesso à educação, mesmo quando a renda e a escolarização dos pais são iguais às dos brancos. Por exemplo, entre um negro e um branco nascidos entre 1973 e 1977 na região Norte, provenientes de famílias com o mesmo nível de renda e com os pais com o mesmo grau de instrução, eram maiores estatisticamente as chances de o branco estar na universidade em 1996.
Essa diferença em relação à cor é encontrada em maior ou menor escala em praticamente todos os cenários analisados. "A grande novidade que trazemos é conseguir medir onde a discriminação exerce maior influência para atingir a educação. E, nesse sentido, são justamente os negros de classe média que sofreram mais os efeitos negativos da discriminação na geração analisada", afirma Osório.
Para esse segmento da sociedade, ser negro estava relacionado a menor probabilidade de ter entrado na universidade em 1996. O estudo identificou um padrão: quanto maior a disputa por acesso ao ensino (poucas vagas e muitos em condição de concorrer a elas), mais a cor da pele influencia o sucesso educacional — sempre com desvantagem para pretos e pardos.
Nos domicílios de menor renda e menor instrução, a cor da pele faz pouca diferença na probabilidade de uma criança nascida entre 1973 e 1977 ter chegado à faculdade em 1996 — nessas condições, a chance é pequena tanto para pretos ou pardos quanto para brancos. Na outra ponta, quando negros e brancos estão entre o 1% mais rico da população, a influência da cor no acesso à universidade também é pequena: a probabilidade é alta para os dois grupos.
É, portanto, na camada intermediária que a cor pesa mais. Para uma pessoa que estivesse entre os 20% mais ricos do Brasil, nascida no Nordeste em uma família cujo chefe estudou até a quarta série do ensino fundamental, a influência da cor da pele no acesso à universidade é o dobro de uma pessoa com as mesmas características, mas que estivesse entre os mais pobres.
Do mesmo modo, quando havia mais disputa pelas classes de alfabetização, em 1982, ser branco ou negro fazia diferença — era menor a chance de um preto ou pardo estar alfabetizado. Já em 2005, a influência da cor da pele era pequena. O que aconteceu entre os dois períodos? O acesso à alfabetização foi universalizado: quase todos têm oportunidade de atingir esse nível educacional na idade certa. Isso significa, portanto, que, quanto maior o acesso à educação, menor os efeitos da discriminação por cor.
Cotas
Rafael Osório aproveita a conclusão para recuperar um assunto polêmico, não abordado no estudo: "Isso significa que universalizar a educação é melhor do que a política de cotas? Depende da urgência com que o Brasil quer tratar a questão. Dar oportunidade a todos para chegar à universidade realmente acabaria com a desigualdade racial nesse caso. Mas precisamos ver até onde isso é possível de ser feito e a urgência das pessoas que estão na idade de estudar. As cotas podem ser um bom instrumento para corrigir com rapidez essa desigualdade racial, motivada, entre outros motivos, também pela discriminação", afirma.
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