quinta-feira

Diferenças entre o racismo brasileiro e americano


Esta brasileira de apenas 20 anos, que mora e estuda nos EUA, dá um show nesta entrevista e mostra um panorama e as principais diferenças entre os negros brasileiros e os americanos. Para ela, há afro-brasileiros que preferem se “branquear” para sofrerem menos preconceito.

Revista Afro Bahia: Os seus estudos aí nos EUA têm alguma ligação com a questão racial brasileira?
No momento estou fazendo pesquisas sobre os mecanismos do racismo no Brasil e ao mesmo tempo ando fazendo comparações com o racismo que existe nos Estados Unidos. Eu comecei esse projeto por causa de um simples interesse em relações raciais no Brasil e logo decidi aplicar os meus achados num trabalho para minha aula de sociologia. Ainda pretendo realizar um estudo com a comunidade brasileira de Massachusetts, mas por enquanto ainda estou na base de livros e teses.
Sendo que isso é um tema muito complicado e sensível, eu tenho tido muito cuidado com as minhas conclusões, pois, sendo do Brasil, meu primeiro instinto foi dizer que o racismo no Brasil é muito mais suave. Essa é a primeira conclusão de vários brasileiros brancos e até americanos (brancos e negros). Mas durante minha pesquisa, tomei conta de que é muito difícil fazer um julgamento desse tipo, pois racismo nos dois paises é bem diferente e mesmo assim os efeitos são igualmente horríveis.
Revista Afro Bahia: Mas por que você acha que isso acontece?
Para começar, a cultura anglo-americana teve uma tendência de minimizar contato entre brancos e escravos africanos, até no dia a dia no norte do país onde não existiu segregação legalizada como no sul. Relações inter-raciais sempre foram mais comuns na sociedade brasileira e isso resultou em um esquema de raças diferente. Os Estados Unidos têm um sistema binário – ou alguém é negro ou branco. No Brasil você pode ser branco, pardo, negro ou, dependendo da sua mistura, o que você quiser. Então as barreiras entre raças são muito mais fluídas. Nos Estados Unidos é difícil alguém que não aparenta ser branco puro passar por branco. Os indivíduos de etnia ambígua costumam se encaixar na comunidade negra. Raça nos Estados Unidos é imposta. No Brasil é mais fácil alguém de mistura, especialmente estando numa classe social alta, passar por branco. Machado de Assis é um belo exemplo disso.
Revista Afro Bahia: Você está dizendo que no Brasil alguns negros que têm a pele mais clara, preferem de afirmar como brancos?
O desejo de se “branquear” é tão forte que só um número mínimo de brasileiros aceitam ser classificados como negros – a maioria ainda se esconde em termos como “moreno” ou “escurinho”. Só 6% dos brasileiros se classificam como negro comparado com 12% nos Estados Unidos. Mas essa diferença não diminui o efeito do racismo no Brasil contra pessoas de pele escura que não se classificam como negro. A diferença é que o brasileiro pensa mais em termos de cor e aparência geral do que de raça biológica. Nos Estados Unidos uma pessoa que parece ser branca pode se considerar negra se tiver ancestrais negros, porque americanos costumam achar que raça tem mais a ver com biologia. Por outro lado, no Brasil raça é mais difícil de se classificar pois é mais baseado em aparência, que é muito influenciada por classe social. As pessoas costumam se classificar na base de comparações diárias de feições, cor de pele, textura de cabelo e posição social. No Brasil, por conseqüência, nacionalidade vem antes de raça – ao contrário dos Estados Unidos, onde raça faz mais parte da sua identidade nacional. Mas justamente por causa disso, o brasileiro tem mais dificuldades entendendo os mecanismos do racismo e o jeito em que pode ser manifestado. O Brasil, em geral, sofre casos de racismos mais sutis como discriminação no trabalho e em entrevistas para empregos. É claro que também existem outras formas brutais de discriminacao como as da polícia. Mas em geral, brasileiros, especialmente brancos, não têm uma noção muito clara do que constitui o racismo.
Revista Afro Bahia: Dê um exemplo.
Muita gente ainda acha que não tem nada de errado com expressões derrogatórias como “neguinha” ou “preto de alma branca.” Pior ainda, mascaram racismo dizendo que simplesmente têm gosto por outro tipo de aparência. Então, um branco entrevistando duas pessoas (uma branca outra negra) para ser recepcionista pode dizer que escolheu a branca porque a posição requer uma “boa aparência” – o que torna sua discriminação numa questão de gosto pessoal e não racismo. Por causa destas ambiguidades, discriminação é mais difícil de detectar.
O que a minha pesquisa mais me alertou foi para a importância da conscientização. A população precisa entender o que é o racismo e que é de fato um grande problema na nossa sociedade. Se eu não tivesse feito toda esse pesquisa básica, eu, sendo branca, não teria idéia de como o problema é grave e não entenderia as barreiras que nós como um povo ainda enfrentamos. Quanto mais conseguimos educar a população, mais chances teremos de combater o racismo no nosso pais.
• Na sua opinião qual a principal diferença entre os negros brasileiros e americanos? Eu reparei que negros nos Estados Unidos tiveram certas vantagens comparado com os negros do Brasil. Por um lado, a unificação aqui é muito mais forte sendo que eles aqui são forçados a se identificar como negros e acabam tendo mais orgulho de sua identidade racial. Além disso, os negros americanos tiveram que combater segregação legalizada, o que ajudou muito nessa unificação por ter lhes dado mais necessidade de lutar pela igualidade. No Brasil movimentos negros demoraram mais para se formar e para se manter fortes provavelmente por falta de um incentivo tão concreto. Ainda existe a noção (que brasileiros de todos os tipos ainda aceitam) que as dificuldades enfrentadas pela população negra são conseqüências de classe social e problemas econômicos que sobrevivem desde o tempo da escravidão – eles negam que essas dificuldades têm a ver com racismo. Isso dificulta ainda mais o progresso social dos negros brasileiros. Agora, sendo que as raças são menos divididas no Brasil do que nos Estados Unidos, as tensões raciais são mais suaves. Isso não diminui o efeito da discriminação, mas isso já é uma vantagem pois um movimento nacional para combater o racismo pode ter mais chance de sucesso. Por um lado, a falta de uma barreira concreta (como as leis que existiram nos Estados Unidos e na África do Sul) apresenta dificuldades para á unificação dos negros brasileiro. Mas por outro lado, a falta de uma pode fazer a transição para uma verdadeira democracia racial possível.
Revista Afro Bahia: Qual sua opinião sobre o mito da democracia racial no Brasil?
Quando pequena eu morei entre americanos por alguns anos no exterior, e eu ficava chateada porque sentia que raça era um fator muito predominante. Quando voltei para o Brasil achava que seria um alívio pois achava que não teria que me preocupar com raça. Eu sempre ouvi dizer que o Brasil nunca teve o racismo que existiu nos Estados Unidos ou na África do Sul. Para mim, racismo era os crimes horrendos e violentos que aconteciam em países que tinham segregação legalizada, onde pessoas admitiam ser racistas. Nunca ouvi nenhum brasileiro admitir que era racista e então achava que realmente o Brasil era uma democracia racial, o que me dava muito orgulho. Mas quando voltei para meu país, eu notei que a questão de raça era tão importante quanto na cultura anglo-americana. Na verdade me senti mais insegura no Brasil por causa da falta de raças definidas como na cultura americana. Pela ausência de um termo para me definir, ficava me comparando com os outros. E foi aí que finalmente entendi o quanto raça no Brasil é um fator determinante no modo em que uma pessoa e tratada. Para mim o mito da democracia racial é o que é: simplesmente um mito. Mas para muitos ainda é uma verdade. As pessoas acreditam que, sim, os negros enfrentam mais problemas e sofrem discriminação, mas elas acreditam que essa discriminação é conseqüência de classe social e não raça. Hoje em dia, muitos brasileiros reconhecem o problema do racismo no Brasil, mas somente uma minoria admite ser racista. O problema do mito é que muitas pessoas não sabem o que é o racismo e então não sabem quando elas mesmas discriminam. Ou então, quando discriminam, fazem de forma sutil e ambígua ou tentam mascarar seus crimes – mas isso não diminui os efeitos dessa discriminação. Enquanto o mito da democracia racial existir, o racismo também irá.

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