Quando estudou no Colégio Estadual Anísio Teixeira, Lázaro Ramos ingressou pela primeira vez em aulas de Teatro. O contato com textos interessantes e “com o sentimento das pessoas” veio através de um professor inesquecível e do convívio com a comunidade no dia-a-dia da escola. Nos anos em que freqüentou a escola pública, o garoto tímido aprendeu lições de solidariedade e cidadania, importantes para a formação que precisava para ingressar na profissão de ator, pouco tempo depois, no Grupo de Teatro Olodum.
Aos 26 anos, Lázaro Ramos é o ator baiano mais prestigiado da atualidade. No cinema, atuou em 11 filmes e recebeu 10 prêmios nacionais e internacionais pela atuação. Na televisão, Lázaro faz sucesso na principal emissora do país.
É um dos protagonistas do seriado Sexo Frágil - que este ano vai à terceira temporada. Além disso, ele planeja a volta ao Teatro, numa peça que está escrevendo, inspirado nas férias da própria infância.
Nesta entrevista, Lázaro Ramos incentiva os estudantes afro-brasileiros a acreditar em si mesmos, valorizar a auto-estima e a descobrir o papel transformador que devem ter no mundo. À escola de hoje, ele dá sugestões de como estimular a igualdade entre alunos de diferentes cores e origens. Mas houve espaço para lembranças de menino também: “Na gincana do colégio, tinha aquelas provas engraçadas de conseguir, sei lá, 100 gordos de 20 anos, por exemplo”, sorri.
Revista Afro Bahia:
1. Como foram seus primeiros anos de escola? Que influência tiveram em sua carreira?
Estudei em duas escolas particulares de bairro, uma na Federação e outra no Garcia. Depois fui para o Colégio Estadual Anísio Teixeira, na Caixa D’água, onde entrei em contato com o Teatro. Foi uma experiência maravilhosa de enriquecimento cultural. Tive as primeiras noções sobre a situação do País e suas necessidades. Tive contato com textos e com o sentimento das pessoas. Eu tinha 14 ou 15 anos, e aquele período foi muito importante para minha formação. Lembro da gincana, uma programação que proporcionava muitas atividades tanto de solidariedade – arrecadação de roupas e alimentos - até aquelas mais engraçadas como conseguir 100 gordos com idade de 20 anos, por exemplo (risos). Eram momentos de integração dos alunos com a própria escola.
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2. Qual o professor que mais lhe influenciou?
Eu tive a sorte de ter bons professores. Dois deles eu lembro bem. O professor de Teatro, Albérico Alves, que era também o vice-diretor do Colégio Anísio Teixeira, me ofereceu lições de educação muito preciosas e sempre ensinava sobre as nossas obrigações como cidadão. E a professora Idalina Alves, no curso técnico de patologia, em São Francisco do Conde, que dava aulas de Técnica de Patologia, tinha um brilho nos olhos, que não tem preço. É muito difícil se estimular numa escola pública, mas quando os professores têm vontade de ensinar, de preparar os alunos pra vida, isso faz toda a diferença!
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3. O que você mudaria na escola que freqüentou na infância ou na adolescência?
Tanta coisa... Principalmente, mudaria o relacionamento entre os professores e os alunos. Daria mais estímulo aos professores para que tivessem mais brilho nos olhos. Mais salários, mais capacitação, mais programas de formação. Também acho necessárias maior quantidade e variedade de matérias opcionais. Acho que matérias opcionais têm maior poder de trazer os alunos para o convívio da escola. Vivi numa época em que a escola fazia parte da comunidade.
Revista Afro Bahia:
4. Você freqüentou o curso técnico, numa rotina diária que começava às 4h30, incluía ensaios do grupo de teatro Olodum, às 17h, e terminava meia-noite. Qual a importância da formação técnica para o ingresso no mercado de trabalho?
O curso técnico foi muito importante pra mim, porque me deu a oportunidade de um trabalho imediato, para me sustentar e sustentar minha casa. Enquanto isso, eu também tive tempo para estudar outras coisas e investir na profissão que eu queria. Eu tenho consciência de que ainda preciso cursar uma faculdade, porque é de fundamental importância para qualquer profissão. Mas, naquele momento, o curso técnico foi necessário para suprir uma necessidade emergencial, digamos assim.
Revista Afro Bahia
5. O que é semelhante na dedicação de um bom artista e de um bom estudante?
Pra vida toda de todo mundo é muito importante saber escolher bem. A vida de estudante ou em qualquer outra área depende de escolhas bem feitas. É preciso estudar constantemente, não dá para perder tempo. O conhecimento é a única coisa que ninguém pode tirar de você. Tanto para o bom aluno, como para o bom artista também é muito importante acreditar em si mesmo o tempo todo. È preciso que a gente entenda o mundo e entenda que a gente faz parte da mudança que acontece no mundo. A gente não pode ser levado pela maré. O mar também é resultado do movimento que os peixes fazem.
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6. Numa entrevista recente à Istoé, você afirmou “Tem um animal dentro de mim que às vezes salta quando me sinto diminuído, discriminado”. Como você aconselha um jovem negro a lidar com o preconceito na escola ou na vida profissional?
A auto-estima é fundamental. Pode empinar o nariz, porque faz parte. Em qualquer área da vida, tem que se gostar, acreditar em si mesmo. A gente não pode se deixar diminuir; precisa saber e exigir mesmo os direitos. As nossas qualidades profissionais, éticas e de caráter ninguém pode tirar da gente.
Revista Afro Bahia
7. No seu novo filme “Meu tio matou um cara”, o Duca (personagem vivido por Darlan Cunha) comenta ser o único aluno que ninguém pode chamar de “idiota” dentro da classe, porque a professora sempre o defende por ser negro. Como a escola pode se preparar para lidar com questões de racismo?
Eu acho que a escola deve tratar com igualdade todos os estudantes, defendendo a valorização do caráter e das qualidades de cada um, independente da cor. Acho que uma boa estratégia para o professor incentivar a igualdade é utilizar trabalhos em grupo, mesclando meninos de todas as cores e origens, integrando os alunos em atividades de parceria. O professor também pode estimular o aluno a se sentir bacana, elogiar, pegar na orelha mesmo e dizer que vale a pena se esforçar para fazer o melhor na escola.
A comunidade de afro-brasileiros tem uma defasagem, a nossa base de educação é fraca. É preciso que o ensino de base seja fortalecido, senão, no momento em que você concede cotas, você está dando e tirando ao mesmo tempo, porque coloca na universidade uma pessoa que não tem preparo para acompanhar. Acho que o sistema de cotas é necessário, porque há anos o percentual de afro-brasileiros na universidade é muito pouco.
Olha, outra coisa que eu noto é que faltam nos currículos a história e a cultura da população negra. Na época em que eu estudava, esse assunto era dado numa parte muito pequena dos capítulos. Podia-se falar mais dos heróis negros, mais da história de Zumbi. Estudar esses temas seria muito importante num ambiente tão rico como o universo escolar.
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