"Estive no fundo do poço por causa da cocaína, fui literalmente ao inferno e voltei. Estou totalmente livre das drogas há dois anos e quatro meses"
(Erick Vinicius)
Por Fernando Tadeu Santos
os jornais não se cansam de mostrar diariamente crimes e tragédias, quase sempre envolvendo gente que age sob efeito de álcool ou de algum entorpecente. Todo mundo sabe que as drogas e a violência andam sempre de mãos dadas. Mas há um outro lado da moeda, porém, que muita gente não vê e que merece atenção especial. São histórias interessantíssimas de pessoas que venceram a batalha contra o terrível drama do vício aliando força de vontade, apoio familiar e tratamento de saúde adequado. Verdadeiros heróis com histórias e lições de vida que emocionam, como o caso de Erick Vinicius Maranhão e Santos, hoje com 25 anos, que viveu na escuridão e no mundo das drogas durante nove anos seguidos.
Erick começou a usar cocaína quando tinha apenas 15 anos de idade, numa sorveteria, acompanhado de um amigo. Lentamente sua vida se transformou num terror, até que felizmente uma tia ficou sabendo e contou aos seus pais que ele fora visto na favela usando drogas. A família entrou em pânico, começou a viver um longo drama. Por ironia do destino, os pais de Erick eram policiais acostumados com a rotina de fazer apreensões, sabiam muito bem como lidar com as drogas na forma da lei. Mas o que fazer quando o problema acontecia dentro da própria casa? E ainda por cima com o filho tímido, carinhoso e querido por todos? Aí começa a peregrinação da família, em meio a sofrimentos e lágrimas, mas digna de um final feliz.
Erick concordou em falar abertamente sobre o seu drama pessoal pela primeira vez numa reportagem, convencido de que o seu exemplo serviria como uma luz no fim do túnel para muitos jovens que lamentavelmente ainda sentem na própria pele o mesmo drama que ele viveu. "Estive no fundo do poço por causa da cocaína, fui literalmente ao inferno e voltei", resume Erick, hoje uma nova pessoa. "Estou totalmente livre das drogas há dois anos e quatros meses."
De bem com a vida, trabalha normalmente numa empresa de serviços na área de saúde e está totalmente recuperado do vício, depois de um ano de internação na Fazenda Esperança, uma comunidade terapêutica que fica em Guaratinguetá, em São Paulo. Erick recuperou a auto-estima e a alegria de viver, e de quebra recebeu um convite para estudar, morar e trabalhar na Alemanha. Hoje não só esbanja saúde e disposição física, como ainda levantou a bandeira antidrogas, tornando-se um líder comunitário na região onde mora, em Itaquera, zona leste de São Paulo.
Nas reuniões semanais e nos grupos de oração da Igreja São Francisco de Assis dos Pequeninos que freqüenta, Erick faz um trabalho voluntário de ajuda justamente com jovens e familiares de viciados. "Não esperamos a pessoa e a família virem até nós, mas vamos até a casa dela levar o suporte quando necessário. Quem sabe faz a hora", diz ele, hoje uma espécie de conselheiro na região.
Erick Vinícius, na Fazenda Esperança, em Guaratinguetá: "Nossa terapia era a enxada o tempo todo".
"Calma, mano!"Vez ou outra, Erick é convidado a dar o seu testemunho de vida em escolas, reuniões comunitárias e igrejas, sem contar as visitas que faz em favelas — locais onde os entorpecentes são comercializados livremente à luz do dia. "Oferecer minha ajuda para evitar que mais jovens sofram é mais do que uma missão: é uma obsessão", declara ele. "Senti na pele o quanto é duro vencer a batalha sozinho. Sei muito bem o que um dependente sente por dentro. Ele acha que vai se livrar sozinho e não consegue, depois vêm a depressão e a angústia. O viciado precisa entender que existem pessoas que o amam, que há sempre uma saída para o seu drama. Eu vivi anos no escuro, mas sempre digo: 'calma, mano! Você é muito mais forte do que a droga. Não deixe ela te escravizar mais. Estamos do seu lado. Olha bem nos meus olhos: se eu consegui sair dessa, mano, por que você também não pode?'", indaga Erick, reconhecendo que a conversa é apenas um bom começo para se evitar um triste fim.
A raíz do problema
É sempre muito difícil saber o que leva uma pessoa a se drogar. Desajuste familiar? Fuga da realidade? Dificuldade em lidar com as próprias emoções? Exclusão social? Perda do emprego ou de alguém muito próximo da família? Pode ser tudo isso e muito mais. Especialistas costumam tratar o assunto com muita cautela. "Há uma conjugação de fatores de ordem psicológica, cultural, econômica, social e até política que interfere não apenas na personalidade de cada um, mas na maneira pela qual o indivíduo se relaciona com o seu meio", explica a psiquiatra Fernanda Gonçalves Moreira, coordenadora de ensino do Proad, o Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Por isso, diz Fernanda, os tratamentos mais adequados envolvem outros setores, além da saúde. "A educação, a segurança pública, o emprego e o serviço social são áreas que interagem na recuperação. É preciso entender de uma vez por todas que as drogas não são só um problema do dependente e de sua família, mas de todos nós." Por outro lado, o sucesso na recuperação depende muito do que o jovem encontra como opção para colocar no lugar da droga. "O tratamento precisa oferecer algo mais forte para competir com a droga e anular seus efeitos", completa Fernanda.
Esportes, música, dança, religião, jogos e gincanas, portanto, são boas alternativas dentro de um projeto terapêutico. "O trabalho também é uma excelente ferramenta, ele é parte importante da personalidade do indivíduo", diz Fernanda, reconhecendo que o índice de recuperação (cerca de 35%) de dependentes ainda é muito baixo. No caso de Erick, avalia ela, a satisfação do grupo trabalhando junto com um mesmo objetivo (todos produziam o próprio sustento na horta da Fazenda Esperança) favoreceu suas condições de cura. "Nossa terapia era a enxada o tempo todo", orgulha-se Erick, ciente do seu aprendizado. Ele merece!
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