Mariene Bezerra de Castro começou sua vida artística aos cinco anos de idade. Queria ser bailarina, mas a vontade de aprender a tocar violão a levou a uma escola de música onde seu talento como cantora, depois transformado em vocação, foi descoberto. Era ainda uma menina começou a cantar profissionalmente. Mas só começou a ser notada por muita gente depois que gravou o álbum "Abre caminho", vencedor do Prêmio TIM de música na categoria regional em 2005. Baiana da gema, adorada pela crítica, ela já foi destaque nas folhas culturais dos principais jornais do País, embora ainda seja uma quase-desconhecida entre o público de sua terra. Nesta entrevista para a revista afro bahia, reafirma sua profissão de fé no samba de roda, enumera razões que julga explicarem seu relativo anonimato e não perdoa a imprensa preguiçosa: "Jornalista tem que ir ao show. Não pode fazer matéria em cima de release".
Vamos começar com umas perguntas protocolares. Onde você nasceu e como teve contanto com a música?
Mariene de Castro: Eu nasci em Salvador, mais precisamente no hospital Santa Isabel. Mas digo que sou nata da Chapada Diamantina. Minha avó morava em Andaraí e eu andava sempre lá nas férias. Tive um convívio muito grande com a cultura do interior, por causa de minhas férias. Esse convívio foi fundamental para minha vida artística. Desde pequena, na verdade, eu queria ser bailarina. Estudei balé desde os cinco anos de idade, era a época em que o Teatro Castro Alves tinha balé. Mas na minha casa todo mundo cantava ou tocava algum instrumento. Tenho um tio músico, minha avó era professora e tocava acordeom e piano. Eu queria aprender a tocar violão e pedi a minha mãe que me levasse a uma escola de música. Tinha uma na Mouraria, perto de onde eu morava, na [avenida] Joana Angélica. Morei minha vida toda lá. Aí no dia em que eu cheguei na escola de música, estava tendo uma aula de canto. Eu já cantava, mas em casa, não tinha me descoberto como cantora. Eu tinha uns 12 anos e tinha acabado de passar no preparatório do Balé Jovem do TCA. Eu era muito voltada para isso, mas aí veio a coisa da música e, muito por necessidade de sobrevivência, eu vi que poderia ajudar no orçamento de casa trabalhando com música também. Nessa escola da Mouraria, o professor de canto pediu que eu fizesse uma aula sem compromisso. Ele ficou impressionado com o timbre da minha voz e disse para minha mãe que ela tinha um tesouro em casa e não sabia. Então ele indicou que eu fizesse aula de canto, dizendo que eu tinha um timbre muito raro, um contralto. Minha mãe não tinha dinheiro para pagar os dois cursos, de música e de canto, e o professor acabou nos convencendo que eu fizesse canto. Foi aí que eu comecei a virar cantora. Vieram os convites para fazer apresentações, backing vocal, para participar de grupos... Nessa época passei pela axé music, cantei em algumas bandas como a Timbalada, fiz backing para [Carlinhos] Brown e Márcia Freire. Até que um amigo de minha mãe, Vicente Sarno, conseguiu uma data para mim no projeto Pelourinho Dia e Noite. Foi o meu primeiro show, em dezembro de 1996, eu acho. Paralelo a isso eu estava fazendo a turnê de Brown, do "Alfagamabetizado". Mas no dia do show, dois produtores franceses apareceram e disseram que estavam atrás de uma artista emergente.
Então no seu primeiro show você já lançou sua carreira internacional?
Mariene de Castro: É, isso foi quase um problema (risos). Na França eu fui recebida como artista internacional. Nunca imaginei ser tratada como fui. Fiquei nos melhores hotéis, tive uma equipe de luz e de som que me acompanhou em toda a turnê, uma estrutura maravilhosa, matérias todos os dias em jornal... Em muitas cidades, tinha uma matéria no dia anterior ao show e a crítica no dia seguinte. Viajei durante 21 dias e, durante esse tempo, teve essa movimentação forte da mídia. Me compararam até a Edith Piaf. E eu não fiz um show para estrangeiro ver, com bossa nova e canções que eles reconhecessem. Já cantava as coisas que eu gosto, que me emocionam. Eu nunca tive fascinação por viajar, morar fora... Quando eu dançava, tive várias oportunidades de fazer isso, mas sempre fui muito enraizada, sempre gostei muito da minha terra. Quando fui para a França, algumas pessoas ficaram receosas porque eu não conhecia ninguém, não falava a língua, não tinha dinheiro. Não sabia o que podia estar lá me esperando. Mas, graças a Deus, foi tudo bem. Deus pegou na minha mão, me levou e me trouxe de volta. O problema a que eu me referi é que, quando voltei ao Brasil, com uma pasta de matérias e de elogios, cheguei na imprensa aqui e não houve interesse nenhum de saber dessa artista baiana que teve uma grande repercussão na mídia francesa. Só um ano depois, um dos jornais aqui falou: "Baiana lança carreira na França". De lá para cá, fiz muitos projetos e investi muito em minha carreira. Sempre tive muito apoio dos músicos que trabalharam comigo e que me acompanham até hoje. A gente teve um trabalho de formação de platéia. Eu ia colar cartaz, fazer panfletagem na rua, entregar release pessoalmente em jornal. Eu fiz um trabalho de formiguinha mesmo.
Se contarmos do seu primeiro show, então, já são mais de dez anos de carreira. Ainda assim, você continua sendo taxada como uma estrela em ascensão. O título a incomoda?
Mariene de Castro: Não vejo isso de forma pejorativa, não me incomoda. Acho que quem fala isso enxerga dessa forma. Porque são pessoas que estão me conhecendo agora, começaram a ouvir falar agora. A própria mídia mesmo não conhecia o meu trabalho. Eu sempre falo quando dou uma entrevista: "Olha, vá para o show". Porque é bacana o jornalista conhecer o trabalho. São vocês que vão falar bem, ou mal, mas é importante que vejam. Escrever só em cima do que fala o release ou em cima de uma entrevista? Eu gosto que o jornalista veja. Alguns que escreveram sobre mim na mídia nacional, como o Lauro Lisboa [de O Estado de S. Paulo], assistiram ao show. Eu fui para o Itaú Cultural, tinha um jornalista lá e me viu. Cantei no Paço Imperial, no Rio, tinha um jornalista lá e me viu. Não foi nenhum um trabalho de assessoria de imprensa que aconteceu, foi uma coisa natural. Até hoje um eu não fiz um trabalho de "estratégia" de carreira, em que faço isso pensando naquilo. Tem gente que me pergunta: "Você canta samba porque é moda agora?" Não, minha gente, eu canto samba de roda desde que me entendo por gente. Gosto de samba desde cinco anos de idade, quando ganhei meu primeiro disco de Beth Carvalho do pai de minha irmã. Ele gostava muito de mim, me chamava de "coisinha do pai", e na época Beth gravou "Coisinha do pai". Eu sou assim, me visto de baiana, boto pulseira. Agora dizer que é porque virou tendência, virou moda? Que bom que virou moda e as pessoas estão se antenando que nossas raízes são um barato, que é bom a gente se orgulhar do que tem. É saber bater palma no samba de roda, dançar ciranda, valorizar os artistas da terra, artistas de rua, que muita gente pensa que são só uns mendigos da arte.
Você tem feito muitos shows e, mais do que nunca, aparecido em programas de tevê e estampado as primeiras páginas dos cadernos culturais da imprensa local. Uma grande parcela do público já ouviu falar de você, mas pouca gente ouviu você. É um problema de alcance limitado da mídia local, de planejamento de carreira, ou simplesmente porque você ainda não apareceu na Globo?
Mariene de Castro: Quando se lança um artista nacionalmente, se faz um planejamento de carreira. Tudo é estudado. Uma gravadora gasta X para divulgar em rádio, tevê, jornal, e dá visibilidade ao artista. No meu caso isso não aconteceu por uma questão de falta de condição mesmo. Viabilizar uma carreira de música popular na Bahia é quase um milagre. O "Abre caminho" foi um disco que ganhou um prêmio e teve tiragem de mil e quinhentas cópias. Nem mil cópias foram para a loja porque, no primeiro dia do show que fiz no TCA, foram vendidos seiscentos, oitocentos discos. Theodomiro [Queiroz, ex-diretor do TCA] nunca viu isso. Foi polícia, gente do lado de dentro e do lado de fora, cadeira extra... E isso para uma cantora que não toca em rádio e não aparece na mídia nacional. O que faz o povo conhecer, querer ver, cantar a música? É o artista ter visibilidade. O que aconteceu comigo foi resultado desses dez anos de trabalho de formiguinha. Infelizmente vivemos numa cultura de jabá, que massifica a música. Porque isso é matemática, não tem como você juntar um mais um e não dar dois. Vai dar dois, é lógico. Se você pega um artista, tem um milhão de reais para investir numa carreira, pagar uma música para tocar nas rádios das grandes capitais e fazer cinco programas na televisão nacional, é lógico que esse artista vai ter uma repercussão muito diferente de outro que aparece na TVE, toca na Rádio Educadora e faz show uma vez a cada seis meses.
Vamos começar com umas perguntas protocolares. Onde você nasceu e como teve contanto com a música?
Mariene de Castro: Eu nasci em Salvador, mais precisamente no hospital Santa Isabel. Mas digo que sou nata da Chapada Diamantina. Minha avó morava em Andaraí e eu andava sempre lá nas férias. Tive um convívio muito grande com a cultura do interior, por causa de minhas férias. Esse convívio foi fundamental para minha vida artística. Desde pequena, na verdade, eu queria ser bailarina. Estudei balé desde os cinco anos de idade, era a época em que o Teatro Castro Alves tinha balé. Mas na minha casa todo mundo cantava ou tocava algum instrumento. Tenho um tio músico, minha avó era professora e tocava acordeom e piano. Eu queria aprender a tocar violão e pedi a minha mãe que me levasse a uma escola de música. Tinha uma na Mouraria, perto de onde eu morava, na [avenida] Joana Angélica. Morei minha vida toda lá. Aí no dia em que eu cheguei na escola de música, estava tendo uma aula de canto. Eu já cantava, mas em casa, não tinha me descoberto como cantora. Eu tinha uns 12 anos e tinha acabado de passar no preparatório do Balé Jovem do TCA. Eu era muito voltada para isso, mas aí veio a coisa da música e, muito por necessidade de sobrevivência, eu vi que poderia ajudar no orçamento de casa trabalhando com música também. Nessa escola da Mouraria, o professor de canto pediu que eu fizesse uma aula sem compromisso. Ele ficou impressionado com o timbre da minha voz e disse para minha mãe que ela tinha um tesouro em casa e não sabia. Então ele indicou que eu fizesse aula de canto, dizendo que eu tinha um timbre muito raro, um contralto. Minha mãe não tinha dinheiro para pagar os dois cursos, de música e de canto, e o professor acabou nos convencendo que eu fizesse canto. Foi aí que eu comecei a virar cantora. Vieram os convites para fazer apresentações, backing vocal, para participar de grupos... Nessa época passei pela axé music, cantei em algumas bandas como a Timbalada, fiz backing para [Carlinhos] Brown e Márcia Freire. Até que um amigo de minha mãe, Vicente Sarno, conseguiu uma data para mim no projeto Pelourinho Dia e Noite. Foi o meu primeiro show, em dezembro de 1996, eu acho. Paralelo a isso eu estava fazendo a turnê de Brown, do "Alfagamabetizado". Mas no dia do show, dois produtores franceses apareceram e disseram que estavam atrás de uma artista emergente.
Então no seu primeiro show você já lançou sua carreira internacional?
Mariene de Castro: É, isso foi quase um problema (risos). Na França eu fui recebida como artista internacional. Nunca imaginei ser tratada como fui. Fiquei nos melhores hotéis, tive uma equipe de luz e de som que me acompanhou em toda a turnê, uma estrutura maravilhosa, matérias todos os dias em jornal... Em muitas cidades, tinha uma matéria no dia anterior ao show e a crítica no dia seguinte. Viajei durante 21 dias e, durante esse tempo, teve essa movimentação forte da mídia. Me compararam até a Edith Piaf. E eu não fiz um show para estrangeiro ver, com bossa nova e canções que eles reconhecessem. Já cantava as coisas que eu gosto, que me emocionam. Eu nunca tive fascinação por viajar, morar fora... Quando eu dançava, tive várias oportunidades de fazer isso, mas sempre fui muito enraizada, sempre gostei muito da minha terra. Quando fui para a França, algumas pessoas ficaram receosas porque eu não conhecia ninguém, não falava a língua, não tinha dinheiro. Não sabia o que podia estar lá me esperando. Mas, graças a Deus, foi tudo bem. Deus pegou na minha mão, me levou e me trouxe de volta. O problema a que eu me referi é que, quando voltei ao Brasil, com uma pasta de matérias e de elogios, cheguei na imprensa aqui e não houve interesse nenhum de saber dessa artista baiana que teve uma grande repercussão na mídia francesa. Só um ano depois, um dos jornais aqui falou: "Baiana lança carreira na França". De lá para cá, fiz muitos projetos e investi muito em minha carreira. Sempre tive muito apoio dos músicos que trabalharam comigo e que me acompanham até hoje. A gente teve um trabalho de formação de platéia. Eu ia colar cartaz, fazer panfletagem na rua, entregar release pessoalmente em jornal. Eu fiz um trabalho de formiguinha mesmo.
Se contarmos do seu primeiro show, então, já são mais de dez anos de carreira. Ainda assim, você continua sendo taxada como uma estrela em ascensão. O título a incomoda?
Mariene de Castro: Não vejo isso de forma pejorativa, não me incomoda. Acho que quem fala isso enxerga dessa forma. Porque são pessoas que estão me conhecendo agora, começaram a ouvir falar agora. A própria mídia mesmo não conhecia o meu trabalho. Eu sempre falo quando dou uma entrevista: "Olha, vá para o show". Porque é bacana o jornalista conhecer o trabalho. São vocês que vão falar bem, ou mal, mas é importante que vejam. Escrever só em cima do que fala o release ou em cima de uma entrevista? Eu gosto que o jornalista veja. Alguns que escreveram sobre mim na mídia nacional, como o Lauro Lisboa [de O Estado de S. Paulo], assistiram ao show. Eu fui para o Itaú Cultural, tinha um jornalista lá e me viu. Cantei no Paço Imperial, no Rio, tinha um jornalista lá e me viu. Não foi nenhum um trabalho de assessoria de imprensa que aconteceu, foi uma coisa natural. Até hoje um eu não fiz um trabalho de "estratégia" de carreira, em que faço isso pensando naquilo. Tem gente que me pergunta: "Você canta samba porque é moda agora?" Não, minha gente, eu canto samba de roda desde que me entendo por gente. Gosto de samba desde cinco anos de idade, quando ganhei meu primeiro disco de Beth Carvalho do pai de minha irmã. Ele gostava muito de mim, me chamava de "coisinha do pai", e na época Beth gravou "Coisinha do pai". Eu sou assim, me visto de baiana, boto pulseira. Agora dizer que é porque virou tendência, virou moda? Que bom que virou moda e as pessoas estão se antenando que nossas raízes são um barato, que é bom a gente se orgulhar do que tem. É saber bater palma no samba de roda, dançar ciranda, valorizar os artistas da terra, artistas de rua, que muita gente pensa que são só uns mendigos da arte.
Você tem feito muitos shows e, mais do que nunca, aparecido em programas de tevê e estampado as primeiras páginas dos cadernos culturais da imprensa local. Uma grande parcela do público já ouviu falar de você, mas pouca gente ouviu você. É um problema de alcance limitado da mídia local, de planejamento de carreira, ou simplesmente porque você ainda não apareceu na Globo?
Mariene de Castro: Quando se lança um artista nacionalmente, se faz um planejamento de carreira. Tudo é estudado. Uma gravadora gasta X para divulgar em rádio, tevê, jornal, e dá visibilidade ao artista. No meu caso isso não aconteceu por uma questão de falta de condição mesmo. Viabilizar uma carreira de música popular na Bahia é quase um milagre. O "Abre caminho" foi um disco que ganhou um prêmio e teve tiragem de mil e quinhentas cópias. Nem mil cópias foram para a loja porque, no primeiro dia do show que fiz no TCA, foram vendidos seiscentos, oitocentos discos. Theodomiro [Queiroz, ex-diretor do TCA] nunca viu isso. Foi polícia, gente do lado de dentro e do lado de fora, cadeira extra... E isso para uma cantora que não toca em rádio e não aparece na mídia nacional. O que faz o povo conhecer, querer ver, cantar a música? É o artista ter visibilidade. O que aconteceu comigo foi resultado desses dez anos de trabalho de formiguinha. Infelizmente vivemos numa cultura de jabá, que massifica a música. Porque isso é matemática, não tem como você juntar um mais um e não dar dois. Vai dar dois, é lógico. Se você pega um artista, tem um milhão de reais para investir numa carreira, pagar uma música para tocar nas rádios das grandes capitais e fazer cinco programas na televisão nacional, é lógico que esse artista vai ter uma repercussão muito diferente de outro que aparece na TVE, toca na Rádio Educadora e faz show uma vez a cada seis meses.