segunda-feira

A Bahia perde Dinha do Acarajé

“Aliemdinha”, assim mesmo, com todas as palavras juntas, é uma senha geralmente usada pelos soteropolitanos para indicar um ponto de encontro cultural, social e etílico no Rio Vermelho. Inexplicavelmente, a expressão não consta nos minidicionários de baianês que circulam pela rede mundial de computadores, geralmente construídos por estrangeiros que costumam, digamos, admirar o velho cotidiano local. Às sextas-feiras, se ouvia muito o “aliemdinha”. Ontem, porém, o largo estava quase silencioso e o tabuleiro de tantas tradições, vazio.
Dinha, que morreu ontem aos 56 anos, era uma espécie de princesa negra do “principado” do bairro, sempre presente naquele espaço, área nobre do território. Nobre e um tanto quanto sagrado. Já era a baiana nascida quando se achou por bem derrubar a igrejinha do largo, que alguns teimam em chamar de Santana – depois que a quituteira aportou lá, o local virou Largo da Dinha. O progresso em forma de asfalto ia passar vitorioso, em linha reta, e o templo atrapalhava. Um movimento pró-Nossa Senhora foi criado e o milagre se fez. “Encontraram uma solução, foi dada uma volta e a igreja ficou no lugar”, lembra o historiador Cid Teixeira.
O Largo da Dinha estava triste ontem. A poucos metros dali, extraordinariamente com a mão na massa, a baiana Regina Conceição preparava os seus acarajés. Estava triste e pouco disposta a conversar. “Era a primeira pessoa que eu via quando chegava aqui, antes de ela ficar doente”, recordava ela, fila crescendo à sua frente. “Está um clima estranho aqui, vou sentir falta”.

Os garçons dos bares que ganhavam com a venda de bebidas para acompanhar a degustação do melhor tira-gosto da área também lamentavam a perda. O toldo que nada abrigava na noite agradável de outono formava um cenário diferente. “Tá chegando muita gente querendo confirmar se foi isso mesmo, tá meio diferente hoje”, resumia Alberto Belo, garçom de um bar 24 horas no largo.
Perto dali, na Rua Lydio de Mesquita, Bambá chorava por dentro. Duro na queda, o carpinteiro nascido Nelson Costa Santana, 71 anos, foi noivo da baiana já famosa entre os anos de 90 e 95. Orgulhoso, corre para pegar o cartão de Natal: “Meu Amor, o melhor presente que existe é ter o seu amor. Dinha para Nelson, 24/12/95”.
A casa simples parece propícia à beira da praia e o mar está mesmo ali em frente, logo depois do restaurante Extudo. Neste local, o casal colocou as alianças nos anulares direitos, em cerimônia registrada nas fotos que Bambá exibe agora. Dadá, cozinheira de riso largo e fácil, outra amiga de Dinha, também compareceu. “Não deu certo, mas depois a gente continuou amigo, ela vinha sempre aqui”, diz o carpinteiro, que não foi ao velório. “Estou com diabetes e com problemas na vista”. Ele parecia mesmo não querer presenciar o último adeus. Não será preciso placa para lembrar Dinha nem projeto tramitando na Câmara de Vereadores para alterar nome de logradouro. O povo, sábio, já tratou de fazer a sua homenagem.


*** DEPOIMENTOS
A Bahia perde um dos seus melhores acarajés. Se hoje é dia de luto na Bahia, com certeza vai ter festa no céu, com trio elétrico e tudo. Um aviso a São Pedro: a pimenta dela arde pra caramba”.
Duda Mendonça, publicitário
Eu perco uma amiga de muitos anos e a Bahia perde uma personalidade tão deliciosa quanto os seus acarajés”.
Nizan Guanaes, publicitário
“A Bahia perde uma de suas filhas mais ilustres. Dinha do Acarajé foi uma guerreira(...) O Ministério da Cultura se associa à família dos baianos e manifesta o reconhecimento da importância e do valor de seu trabalho para a cultura do estado da Bahia”.
Nota de pesar do Ministério da Cultura, assinada pelo secretário executivo da pasta, Juca Ferreira

“Ela criou a cultura do acarajé de fim de tarde, teve oportunidade de mostrar aos turistas a qualidade e o sabor da nossa culinária. Ela simboliza uma época e as pessoas que constróem uma cultura merecem ser lembradas para sempre”.
João Henrique Carneiro, prefeito de Salvador

“Uma das riquezas mais importantes da Bahia é a sua culinária. Ela encanta baianos e turistas. E a Bahia perde um símbolo desta sua riqueza, que era a Dinha. Uma quituteira de mão cheia e uma pessoa extremamente carismática e que incorporava o espírito baiano. Vamos sentir muito a perda dela”.
ACM Neto, deputado federal

“Cada dia que passa vou ficando mais triste ao ver pessoas especiais indo embora. No mundo há muitas Dinhas que, na cozinha, não dão só o suor e o cansaço, dão a vida, a alma. Que Deus ilumine o espírito da minha amiga”.
Dadá, quituteira e empresária

“Salvador é uma cidade especial e Dinha era uma filha especial. Deus deu a ela o talento e a generosidade, e ela soube ampliar o valor da culinária para todo o Brasil como uma verdadeira grife. O nome dela se confunde com o do acarajé. Por todos os seus valores, caráter e bondade, é uma grande perda para a Bahia e o Brasil”.
Antonio Imbassahy, ex-prefeito de Salvador

“Estou muito sentida com esta perda. Dinha era uma grande amiga, nunca houve rivalidade entre a gente. Ela ia aos domingos ao meu tabuleiro e ficávamos lá conversando”.
Jaciara de Jesus Santos, baiana de acarajé, mais conhecida como Cira

“O acarajé da Dinha é tão gostoso quanto o jeitinho que ela tinha, pura delícia da Bahia, vai ficar para sempre em nossa memória”.
Ivete Sangalo, cantora

“Toda perda é dolorosa. Ela contribuiu muito para a cultura baiana, era muito cuidadosa no tratamento da massa do acarajé, aliás, de todo o processo, desde a elaboração até a venda. A qualidade fez com que o sucesso fosse percebido – pelo menos aqui, o acarajé venceu o cheeseburger”.
Gerônimo, cantor e compositor

“É uma perda irreparável. Era uma mulher guerreira, mãe, amiga, era tudo para mim. Dinha não tinha inimigos, ela só fazia ajudar e trabalhar. Sempre foi dedicada ao trabalho, herdou o tempero da avó e deu continuidade, sendo mestra de muita gente”.
Alaíde do Feijão, quituteira

“Dinha fez a parte dela, cumpriu sua missão como mulher, professora de culinária, importante baiana. Ela é um exemplo que deixa uma grande lacuna como precursora desse movimento. Tenho certeza que tudo terminou ou começou aqui, mas sua marca continuará forte”.
Ninha, cantor da Trem de Pouso

“É uma tristeza muito grande para nós. Tínhamos Dinha como o grande exemplo porque foi ela que levou para o mundo o nosso bolinho de feijão frito no dendê. Esperava que ela fosse bem velhinha para continuar nos dando força na nossa lida, como exemplo de perseverança, de amor ao tabuleiro”.
Maria Lêda Marques, presidente da Associação de Baianas de Acarajé, Mingau e Receptivo da Bahia (Abam)

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